Cavaleiros de Rohan


Os longos cabelos louro-escuros de Erkenbrand, Senhor do Folde Ocidental, estavam escondidos dentro de seu glorioso elmo de batalha, esparramando-se pelas costas, enquanto a barba se projetava para fora do elmo de ferro e bronze. Ele cavalgava em Arbshald, um belíssimo garanhão malhado do qual ele sentia grande orgulho, treinado para o combate. Muitos dentre o exército de camponeses e cavaleiros do Folde Ocidental diziam que Arbshald era descendente direto de Felaróf, que foi domado por Eorl, o Jovem, mas o mais provável é que ele fosse um híbrido, com apenas parte do sangue dos mearas.

Diante de um exército de aproximadamente quatrocentos homens, do qual menos da metade estava montada e usando cotas de malha, Erkenbrand erguia sua espada na direção do sol, enquanto seus cavaleiros da linha de frente se alinhavam para o primeiro contato com o exército inimigo, que estava há pelo menos uma milha de distância, montados em lobos enormes e de hálito podre. Havia um rumor entre os camponeses de que Sharku, um terrível e selvagem comandante orc, liderava os montadores de lobos de Saruman naquele ataque e isso fizeram com que se encolhessem atrás dos cavaleiros que fariam o primeiro contato.

O primeiro contato era algo comum nas batalhas entre os cavaleiros de Rohan e os montadores de lobos. Geralmente, montados em seus animais, bandos corriam contra bandos e se mutilavam, para que as tropas viessem marchando e fizessem com que as paredes de escudos se encontrassem. Isso por que, ao contrário dos cavalos, os lobos eram úteis numa parede de escudos, de modo que os cavaleiros precisavam diminuir o máximo possível dos números destas bestas, e sendo os orcs criaturas sedentas por sangue e matança, não percebiam o valor dos lobos.

Alinhem-se! Cavaleiros de Rohan! Alinhem-se! – Gritava Erkenbrand com a espada desembainhada e ainda erguida para o sol – Se é verdade que Sharku está entre as outras monstruosidades de Saruman diante de nós – E agora ele apontava a lâmina para o exército de orcs – Então vamos espalhar seu sangue em nossas armaduras e cravar suas vísceras na ponta de nossas lanças!

Os homens gritaram e, quase que instintivamente, três fileiras de cavaleiros galoparam na direção dos montadores de lobo, que fizeram o mesmo. Erkenbrand os acompanhou, tentando manter-se na frente dos outros, o que não fora difícil para Arbshald. Os orcs montados nos lobos carregavam armas boas, mas não usavam armadura, pois seus lobos não tinham resistência dos cavalos para suportar tamanho peso. E então, quando estavam a cerca de trinta passos de distância da horda de orcs em lobos, Erkenbrand gritou algo que ninguém entendeu, mas julgaram ser uma ordem para que as lanças fossem arremessadas, já que ele fizera isso. A lança de Erkenbrand acertou a grama de forma estúpida, ele não era um bom arremessador de lanças, mas ninguém viu isso, já que outras lanças perfuravam cabeças de lobos e os peitorais desprotegidos de orcs. Ainda assim muitos orcs prosseguiram, com tamanha fúria que até mesmo os que tinham lanças cravadas no corpo atacaram com selvageria e gritos agonizantes na linha de frente. Ouve um coro de rosnados de lobos e relinchos de cavalos, gritos de homens e grunhidos de orcs. Erkenbrand cortou a cabeça do primeiro com um único golpe, os homens em seus dois flancos foram derrubados por lobos saltadores que estriparam seus corpos enquanto os cavalos eram mutilados pelas lâminas dos orcs.

Erkenbrand girou sua espada e esporeou Arbshald para que se esquivasse de um lobo que viera rosnando e pulando em sua direção, a espada atingiu o maxilar da fera, que caiu desajeitada e se levantou com dificuldade, pois metade do rosto estava se desmanchando em cachoeiras de sangue. Por algum motivo esse lobo estava desmontado, provavelmente seu montador estava morto ou pendurado num dos cavaleiros do Folde Ocidental. Erkenbrand dividiu em duas a coluna de um orc magricelo e corcunda, que corria desesperado entre os cavaleiros e sua lâmina estava gosmenta e escura pelo sangue corrompido dos orcs. Ele olhou para o lado, viu alguns homens caídos tentando se livrar das bocas com dentes afiados dos lobos e então decidiu que o primeiro contado havia terminado.

Voltem! Voltem! – Ele gritou e seus homens obedeceram.

Deixaram para trás os cavalos e cavaleiros mortos, carregaram os feridos que puderam, não tinham muito tempo, pois os guerreiros inimigos começaram sua marcha com parede de escudos formada. Era suja e os escudos cheios de espinhos e manchas de sangue seco.

Os cavaleiros, incluindo Erkenbrand, recuaram para trás da parede de escudos. As fileiras da frente eram onde estava os verdadeiros guerreiros, o tipo de homem que ouve a canção das espadas com prazer e jubilação. Alguns destes pertenceram às tropas do Príncipe Théodred, que fora derrotado nos vaus do rio Isen dois dias atrás, de modo que seus seguidores foram separados e os que não puderam retornar à Edoras procuraram refúgio no Folde Ocidental, um destes era Grimbold, que estava no centro da parede de escudos nesse momento.

Os homens avançavam relutantes, dando passos muito curtos, enquanto os orcs avançavam a passos largos e rápidos, quase correndo, acreditando que a vantagem numérica deles poderia superar a parede de escudos de Erkenbrand. Grimbold, que comandavam os homens durante a retirada dos cavaleiros, gritou para que os poucos arqueiros disparassem suas flechas, e os orcs fizeram o mesmo. Muitos zunidos tomaram conta e as paredes de escudo diminuíram o passo, pois agora tinham os escudos levantados e cravados com flechas, deixando-os mais pesados. Alguns homens caíram feridos, com flechas nos ombros ou nas pernas e tiveram de ir para a retaguarda. Os orcs mantinham-se firmes, seus escudos retangulares cumpriram seu propósito muito bem.

Já estavam a menos de trinta passos de distância quando a segunda saraivada de flechas começou agora feita quase que horizontalmente, passando bem acima das cabeças dos guerreiros adiante. E então os escudos se chocaram brutalmente, fazendo um grande estrondo de madeira contra madeira e gritos de encorajamento. Grimbold era o que mais gritava, porém, nenhum grito dos homens de Rohan superavam os grunhidos dos orcs, jamais. Eles tinham a voz grave e, quando grunhiam, lembravam porcos num abate. E eram estúpidos como porcos, e essa era a vantagem dos homens. Alguns orcs se inclinavam sobre os escudos para morder e arrancar as orelhas ou até mesmo os narizes dos guerreiros, isso poderia fazer um estrago, mas eles sempre acabavam decapitados pelo guerreiro ao lado, fazendo o sangue negro jorrar para todos os lados.

Erkenbrand, depois de deixar Arbshald sob a proteção da retaguarda junto aos outros cavalos, juntou-se na parede de escudos com seu elmo de bronze e a crina dourada saindo da crista do mesmo, lembrando o esplendor dos antigos reis. Ele era hábil com a espada e forte, estocava e furava a garganta dos inimigos. Inclinou-se para trás quando um orc de pele estranhamente pálido inclinou sobre seu escudo para morder sua face, mas fora salvo por uma lâmina que desceu e golpeou mortalmente a criatura repugnante. Erkenbrand virou seus olhos rapidamente para o lado e viu Grimbold, com seus cabelos dourados e bigodes extravagantes, furioso como um cavalo selvagem. E assim a batalha prosseguiu por mais alguns minutos até que a parede de escudos dos orcs se rompesse no flanco leste e eles começassem a ser mutilados por homens com machados. Mais tarde contaram que foram três guerreiros de descendência anã de Aglarond armados com poderosos machados de guerra os responsáveis por aquela proeza.

Depois do rompimento a batalha já estava perdida para os orcs, que não tiveram outra escolha se não fugir. Os poucos que resistiram formaram grupos encostados uns nos outros, mas não demoraram muito para que fossem derrubados por flechas e lanças. A batalha poderia ter terminado mais rápida e menos vidas seriam perdidas caso os cavaleiros de Rohan usassem sua cavalaria para flanquear os orcs, mas isso custaria muitos bons cavalos e rohirrim amam suas montarias, de modo que poucos aceitariam uma cavalgada dessas.

Os últimos orcs já desapareciam no horizonte longínquo, e as pilhas de mortos já fediam tanto que ninguém aguentou ficar no campo de batalha por muito tempo e Erkenbrand e seus conselheiros cavalgaram até o alto de uma colina para decidirem onde acampar naquele fim de tarde. Então, eis que surge cavalgando rápido como um trovão um homem aparentemente velho, segurando um cajado e usando um manto branco, trazendo uma mensagem importante. Este era Gandalf, trazendo as últimas notícias do Rei Théoden que agora parecia ter sido desenfeitiçado.

Ferro e Pólvora


Uma repentina rajada de ventos atingiu a lateral do navio forçou as velas e os balões auxiliares para que o empurrassem, caso contrário acho que teríamos colidido com a nau flutuante que vinha logo à frente. E no momento em que as duas embarcações voadoras estavam alinhadas paralelamente cada capitão de sua respectiva embarcação ordenou que os canhões fossem disparados, dando início a uma sequência de explosões ensurdecedoras. Abaixo do convés, homens agiam com urgência, com os braços sujos de pólvora até o cotovelo, precisavam recarregar os canhões o mais rápido possível. Eu mesmo não suportei a primeira onda de ataques e me encolhi atrás de alguns barris do convés, e segurei firme numa corrente para que não escorregasse e caísse de pelo menos dez quilômetros de altura. No curto período de tempo em que os dois lados recarregavam os canhões, ouvia-se apenas o grito dos feridos. Eu podia escutar até mesmo o grito e o praguejar dos inimigos, no navio ao lado. O Capitão Shoveler, que berrava ordens todo pomposo e imponente no convés, foi atingido assim que começou a segunda onda de disparos com uma projétil de canhão na perna, que a destroçou em um monte de carne vermelha, sangue e lascas brancas de osso, provavelmente o fêmur. Aquela segunda onda nos deixou muito abalados e a querida Eudora ameaçou tombar a jogar toda a tripulação pelos ares, já que os bastardos do outro navio começaram a atirar nos balões auxiliares com mosquetes, fazendo com que eles murchassem como o estômago de um cadáver.

Criei coragem, enquanto o Doutor Easton tentava ajudar o Capitão eu apanhei o mosquete de um camarada morto com a maior cautela. Assim que tive a oportunidade, disparei contra um dos atiradores inimigos, um tiro certeiro na cabeça, talvez no olho, ele caiu rápido demais para que eu percebesse. Sem tempo para recarregar, larguei aquela arma ali mesmo e fui até um canhão solitário na popa da boa e velha Eudora, estava carregado e isso me animou ainda mais, o canhoneiro responsável por ele provavelmente fora lançado da superfície do navio, caso contrário seu corpo estaria por perto. A segunda onda de disparos parou e era apenas eu e a embarcação inimiga, que devia estar a apenas uns vinte metros de distância de nós. Aquele modelo de navio me era familiar, os piratas gostavam muito dele pela mobilidade, porém, se atingido no ponto fraco ele desabaria, e foi lá que eu apontei. A viga mestra, apelidada de “coluna vertebral”, localizada logo atrás do leme, poderia fazer o navio se partir ao meio caso fosse destruída, e eu só tinha uma única bola de canhão para disparar. Depois que já estava tudo bem posicionado e a terceira onda de disparos perto de começar (nesse momento Eudora estava sob comando do Oficial de Pilotagem Winters), fechei os olhos e queimei o pavio. O estouro se juntou com os estalos de madeira se despedaçando, eu abri os olhos curiosos e vi a coluna vertebral da embarcação pirata se soltando e partindo logo em seguida, caindo livremente pelo ar. Aos poucos toda a popa ia se despedaçando até que não houvesse suporte para aguentar o mastro principal (presente naquele modelo de navio) e fazê-lo cair. Vários homens caíram entre madeira, canhões, caixas e outras coisas que a gente vê em navios. Os ainda vivos me parabenizaram e gritaram vivas, alguns, mais próximos do Capitão Shoveler, permaneceram em silêncio ao lado de seu corpo sem vida, que passou os últimos momentos se debatendo numa poça de sangue. Pude ver o Oficial Winters tirando seu chapéu em sinal de respeito e levantando os óculos de aviação, os deixando sobre a testa. Apesar das perdas e danos, a carga transportada permaneceu intacta e pronta para seguir viagem. Nosso destino estava próximo e a missão prestes a ser cumprida, logo estaríamos indo para casa.

A Rebelião de Ibomerus


Por muitos séculos, os monges Dai Bendu prestaram serviços para vítimas de guerra, tratando dos feridos e recolhendo os cadáveres para que estes tivessem um funeral com dignidade, algo muito importante ensinado por Ibomerus, o deus dos mortos, guardião das catacumbas do inferno. Mas tal costume não era de grande importância para as tribos bárbaras que viviam nas montanhas do oeste, sempre matando uns aos outros em nome de suas divindades com rostos de animais.

Por sorte, sabendo que eram aversivos a riquezas e completamente inofensivos, os líderes tribais permitiam que os monges recolhessem os corpos e fizessem um grande funeral coletivo para eles, desde que todos os pertences dos mortos fossem empilhados e devolvidos, para que pudessem ser usados novamente em batalhas futuras. E assim era feito.

Númer e Arthon, batizados como monges Dai Bendu desde o momento em que saíram do ventre de suas mães, recolhiam os corpos de guerreiros mortos num pequeno confronto que ocorreu no Desfiladeiro da Raiz Escura na manhã daquele dia, entre a tribo de Thalin e os seguidores de Romúk, o Rebelde. Era um dia fresco e os dois, já acostumados com o serviço, dariam conta facilmente de algumas dezenas de corpos. Alguns deles estavam bem mutilados, outros pareciam intactos, e alguns ainda respiravam, mas tão feridos que seria impossível ajudá-los.

Dezenove... – Contou Arthon, após depositar um corpo ao lado de muitos outros.

Faltam poucos – Disse Númer, olhando para os outros corpos que ainda trajavam vestes de guerra.

Um grunhido chama a atenção dos monges. Uma voz rouca parecia tentar formular palavras. Certamente algum dos corpos ali presentes demonstrava sinais vitais. Arthon e Númer rapidamente iniciaram uma busca pela fonte da voz, olhando cadáver por cadáver.

Está por aqui... Ei! – Indagou Númer, que sentiu algo puxando seu manto.

Ao olhar para o amigo, Arthon viu algo surpreendente, seus olhos piscaram e suas pernas fraquejaram. Um braço amputado se recusava a soltar o manto de Númer, fechando os dedos com força sobre o pano. Aos poucos, mais vozes roucas surgiram, como lamentos tenebrosos entre poças de sangue. Então os monges notaram. Os mortos estavam voltando à vida. Os corpos ao redor deles se moviam e tentavam se levantar. Alguns tinham expressões confusas nos rostos, mas outros pareciam bravos, com uma fúria apavorante nos olhos.

Incapazes de se mover ou pronunciar alguma palavra, os dois monges apenas permaneceram quietos e observaram aquela cena sobrenatural. Outro morto-vivo surgiu subindo numa pedra, este erguia a própria cabeça pelos cabelos ensanguentados para que pudesse atrair os olhares dos dois amigos. Com a boca jorrando sangue e os lábios arroxeados, a cabeça decapitada pronunciou algo:

Hoje a morte inundará o coração dos vivos, e a dor e sofrimento banqueteará sobre suas cabeças desprovidas de inteligência. Ibomerus reivindicou o Trono Divino. Os céus se tornarão escuros novamente.